Segundo a Sociologia, para ingressar em
uma sociedade o indivíduo precisa passar pelo processo de socialização. Graças à ação de
entidades, grupos e instituições sociais o sujeito torna-se sociável, capaz de
conviver no meio em que está inserido. No entanto, podemos verificar facilmente
que a vida em sociedade nem sempre é harmônica e estável e nem sempre as coisas
acontecem dentro daquilo que se espera ou que é previsto. Em todo momento, grupos e indivíduos, em
diversos contextos, realizam ações que não correspondem ao que a sociedade
estabeleceu como normal, certo, ideal ou
legal (de acordo com as leis). Na Sociologia, as ações que não correspondem
ao que foi estabelecido e acordado previamente pela sociedade são chamadas de desvios sociais.
Os desvios
sociais podem ser leves ou graves e podem acontecer em ambientes distintos. Por
exemplo, se um filho desrespeita verbalmente seu pai ou sua mãe, isso representa
um desvio no ambiente familiar, uma vez que de acordo com os valores sociais,
essa atitude não é considerada ideal. O ato de denegrir o patrimônio escolar
(como riscar as carteiras) é também considerado um desvio, pois infringe as
normas da própria escola e até mesmo a legislação. Para os desvios, em geral,
existem sanções sociais aplicáveis.
As sanções sociais podem ser formais ou informais. Para o caso do filho que
desrespeitou os pais, imagina-se ter sido aplicado um determinado “castigo”,
como não poder sair com os amigos no fim de semana. Nesse caso foi aplicada uma
sanção informal, pois ela não estava
prevista e nem regimentada/ escrita, originada dos critérios adotados pelos
pais, segundo sua autoridade. Suponhamos que no caso do estudante que riscou a
carteira, tenha sido aplicada uma advertência escrita da escola. Nesse caso, a
sanção foi formal, tendo em vista
que estava prevista no regimento
interno da escola e se deu através de um documento.
Alguns
desvios sociais atingem o status de crimes.
Considera-se crime todo desvio social que infringe diretamente a lei penal, gerando prejuízos sociais,
em pequenos ou elevados níveis. As sanções sociais para os crimes são sempre
formais, cabendo ao poder judiciário aplicá-las. Homicídios, racismo, roubos,
poluição de rios, falsidade ideológica (adulteração de documento público ou
particular) são alguns exemplos de crimes. A descrição e a categorização dos
diversos tipos de crime é uma tarefa para as ciências jurídicas (Direito). Para
as Ciências Sociais, em especial a Sociologia, cabe fazer as seguintes
perguntas: quais são as causas do crime
na sociedade? Quais são os fenômenos sociais associados a ele? Que fatores
tendem a diminuir ou elevar sua incidência?
Alguns
sociólogos se dedicaram a compreender o fenômeno da violência, em especial do
crime, na sociedade. Suas análises focalizam geralmente os grupos sociais e os
aspectos amplos da sociedade, desconsiderando o indivíduo por si só. Dentre
esses sociólogos, destacam-se o francês Émile
Durkheim (1858-1917) e o estadounidense Robert Merton (1910-2003). As contribuições e análises desses
pensadores foram muito significativas e serviram de base para diversos estudos
acerca do crime.
Durkheim viveu e
escreveu sua teoria em um contexto social de profundas transformações,
consequentes dos impactos da Revolução Industrial. O intenso êxodo rural, o
inchaço populacional, o crescimento urbano desordenado e o desemprego criavam
situações desfavoráveis à harmonia social. A crise e o caos da sociedade
industrial se manifestavam no aumento significativo de casos de crime e
suicídio. Isso levou Durkheim a concluir que o crime estava diretamente
vinculado a um sistema social que não funcionava corretamente. A ordem e as
leis já não davam mais conta de segurar os indivíduos, que em um contexto de
crise, estavam a buscar sua sobrevivência dentro de uma realidade competitiva e
com poucas oportunidades. Durkheim utilizou o termo anomia para definir esse quadro de desintegração e enfraquecimento
das normas, característico de uma sociedade que estava em profunda crise. Segundo
o autor, a intensidade de crimes está diretamente associada ao quadro de anomia
de uma sociedade, uma vez que os indivíduos tendem a refletir a estrutura
social em que estão inseridos.
Robert Merton, autor contemporâneo
reestruturou o conceito de anomia de Durkheim. Segundo o autor, existe na
sociedade uma estrutura cultural, que
reflete os objetivos a serem alcançados pelos indivíduos – inclui-se ai os
valores, os padrões e as normas ditados socialmente. Atualmente é possível
indicar que fazem parte da nossa estrutura cultural o ingresso no
mercado de trabalho, um nível de consumo satisfatório, o respeito às leis, uma
aparência dentro dos padrões de beleza estabelecidos, a inclusão tecnológica,
dentre outros aspectos. Em suma, trata-se daquilo que a sociedade espera e
exige dos indivíduos. Contudo, indivíduos e grupos estão distribuídos dentro de
uma determinada estrutura social, que
distribui diferenciadamente os recursos para atingirem os objetivos sociais
(estrutura cultural). São alguns desses recursos: educação, renda, contextos
familiares, moradia, segurança, acesso à cultura e outros.
Merton
aponta que as chances de desvio e crime são maiores quando, diante dos
objetivos da estrutura cultural, os indivíduos não possuem os meios para
atingi-los. Dessa forma, é possível concluir que quando os recursos e as
oportunidades sociais são desproporcionalmente distribuídos há mais chances de
ocorrência do crime. É importante salientar que essa explicação não engloba
apenas os elementos materiais, como renda por exemplo, pois caso contrário não
teríamos incidência de crime entre as classe mais favorecidas. Essas
oportunidades e recursos situam-se em diversos aspectos, inclusive no próprio
contexto dos agentes de socialização como a família e a escola.
Compreender
o crime não é uma tarefa tão simples. É preciso relacionar os diversos atores
sociais envolvidos na produção desse fenômeno, bem como valorizar as
particularidades de cada situação ou contexto criminal. Não basta estudar
somente os criminosos, mas também como o restante da sociedade reage ao crime.
Sociologicamente, é preciso compreender as instâncias que se relacionam com
ele, como a escola e o sistema jurídico, o sistema penitenciário, a própria
legislação, entre outros. Também vale ressaltar a importância de não
estigmatizar o crime, seja por aspectos de qualquer ordem (cor, classe, lugar,
sexo ou origem). Caso contrário, estaremos reproduzindo aquilo que a própria
sociedade acaba por fazer, muitas vezes inconscientemente.